O projeto “Cinema sem Fronteiras” não é aprovado.
1. O projeto Cinema sem Fronteiras refere-se a um circuito cinematográfico para ser realizado nas cidades de Arroio do Sal, Braga, Caibate, Campo Novo, Cerro Largo, Imbé, Morro Redondo, Nova Bréscia, Porto Xavier, Roque Gonzales, São Miguel das Missões, São Pedro do Sul, Terra de Areia, Três Cachoeiras e Tunas. O objetivo geral é realizar um circuito de filmes nacionais e internacionais gratuitamente nas 15 cidades citadas. O projeto prevê a realização de 12 sessões de filmes por cidade, projetados em uma estrutura diferenciada e com confecção personalizada para a realização de atividades deste segmento.
A relação de filmes propostos na programação ainda será elaborada, contemplando títulos que contribuam para o contexto social e cultural dos municípios e também dialogue com a realidade das pessoas de forma simples, atraindo ao invés de repelir.
A estrutura da programação divide-se nas seguintes modalidades: curta-metragem, animação, documentário, longa-metragem nacional e longa-metragem internacional. Todos os títulos escolhidos contemplam uma linguagem dinâmica que promove poesia, ludicidade, humor, dialética e senso crítico.
O Cinema sem Fronteiras, conforme o produtor, será em uma estrutura diferenciada que será montada nas praças: uma tenda em formato de domo geodésico. Esta escolha se deu tanto pela estética original da estrutura, quanto pela sua formação versátil que quebra com o formato engessado de casas e prédios, propondo um novo conceito de construção. Ainda segundo o produtor, a geodésica é a identidade do circuito em que a geometria circular, despojada e nômade da geodésica dialoga com o formato proposto para o Cinema sem Fronteiras: migrar em diversas pequenas cidades, ficando instalados três dias inteiros e projetando grandes obras cinematográficas. Serão ao todo 36 horas seguidas de filmes em cada município totalizando 540 horas de produção cinematográficas. Com entrada franca e ações de divulgação direta com as escolas da região, o Cinema sem Fronteiras pretende ser uma ação diferenciada na área da produção cultural, estimando atingir um total de 30.000 pessoas.
De sexta a domingo acontecerão as sessões de cinema, iniciando as 10 da manhã e finalizando às 22 horas. Haverá distribuição de senhas sempre uma hora antes de cada sessão.
O produtor cultural é Gilnei Fernando Keiber (Gaia Cultura e Arte) CEPC 285. O projeto está inserido no segmento AUDIOVISUAL: eventos de exibição, e trata-se de um evento sem data fixa a ser realizado em 15 municípios acima citados, nas praças destas cidades. O valor solicitado à LIC-RS é de R$ 976.390,00 (novecentos e setenta e seis mil trezentos e noventa reais), equivalente a 100% dos custos do projeto, divididos em R$ 685.140,00 para produção/execução (70,17%), do qual aproximadamente 50% são para locação de equipamentos. São também parte da composição dos recursos solicitados à LIC R$ 160.350,00 (cento e sessenta mil trezentos e cinquenta reais) para divulgação (16,42%); R$ R$ 129.800,00 (cento e vinte e nove mil e oitocentos reais) para administração (13,29%) e R$ 1.100,00 (um mil e cem reais) em impostos.
Não há participação dos municípios na composição dos valores para a execução do projeto e tampouco anuência destes para receber a ação em seus espaços públicos, senda esta uma das questões que constaram da diligência do SAT, no que o produtor respondeu:
“Fora as dificuldades financeiras inerentes às prefeituras, não é nosso objetivo pactuar com nenhuma gestão, estando o projeto livre para ocorrer em qualquer município do estado, em caso de necessidade de alteração de local por motivo justificado e permitido pelo regimento legal do Pró-Cultura.
Contatar com os quinze espaços municipais para obter a concordância em desenvolver um projeto gratuito e sem ônus às Prefeituras, as quais dispõem, a exemplo do Governo do Estado, parcos recursos destinados à pasta da cultura, é uma tarefa hercúlea e vemos como desnecessária neste primeiro momento em que o projeto está em desenvolvimento, dependendo da chancela do projeto em diversas esferas, em especial por parte do Conselho Estadual de Cultura e, principalmente, da potencial empresa patrocinadora.
Os 15 municípios contemplados pelo projeto foram escolhidos de forma aleatória dentre as outras centenas que compõem o mosaico urbanístico do estado, sendo que todos têm alguns pontos em comum, como ausência de salas de cinema, baixa densidade demográfica, distância dos grandes centros urbanos em especial da região metropolitana, difícil acesso à cultura e aos incentivos fiscais. Ainda, conforme é permitido pela legislação vigente do Pró-Cultura e em caso de declínio por parte de alguma das prefeituras pré-estabelecidas no projeto, poderão ser trocados tais municípios sem que esta alteração implique em macular o escopo e o contexto da proposta.
Mediante esta nossa assertiva, acreditamos termos justificados os motivos pelo qual não é solicitada anuência prévia das prefeituras impactadas, posto que qualquer ação oficial antes da aprovação e captação dos recursos gera expectativa e compromisso do proponente com o município, o qual, não cumprido a posteriori, gera incredibilidade nas ações da proponente e da própria Secretaria de Estado da Cultura.”
É o relatório.
2. O Projeto Cinema sem Fronteiras provoca pensar a ludicidade, o encanto, a poesia, o afetivo, a democratização, não só naquilo que está inserido na descentralização das ações culturais, mas também na ocupação e valorização dos espaços públicos, como as praças, como espaços de excelência para o fazer e fruir cultural, na dimensão hoje fundamental do encontro e do convívio comunitário. Não é diferente naquilo que, na leitura do projeto, a memória me agraciou, cenas como a do filme Cinema Paradiso com os inesquecíveis Totó e Alfredo, o projecionista, quando fazem uma sessão fora do cinema e projetam, da praça, na parede do prédio, um filme. Reforçou também o quão fundamentais são as companhias circenses, centenárias, chegando às cidades e imediatamente tomando conta da expectativa, em especial das crianças, de verem a tenda montada e os espetáculos embaixo das lonas coloridas; das tribos de atuadores que fazem da rua ou das praças teatros públicos enquanto encenam suas peças, memórias de ações recentes como o Roda Cine, com sua unidade móvel chegando às cidades, acolhidas pelas prefeituras ou por organizações comunitárias, para terem uma sessão de cinema com filmes nacionais em praças interioranas ou das periferias das grandes cidades de nosso Estado, sem contar as dezenas de cineclubes com suas diversas motivações, desde manter programações em antigos cinemas de calçada, como a de gerar a formação de público em cidades que não possuem salas formais de cinema, debater temas de importância sociais, políticas e estéticas por intermédio do audiovisual com suas comunidades, enfim, a beleza da arte, das manifestações culturais, e, neste caso, a cinematográfica, promovendo encontro, ludicidade, afetos, democratização da fruição e da produção cultural pelo simples, pelo inusitado, pela motivação de viver algo que sempre tem o gosto do novo e o cheiro da memória, afetiva e revigorante. É nesta dimensão, ao ler a proposta, que entendo estar o potencial do Cinema sem Fronteiras.
Ainda dentro da referida inovação em que se afirma o projeto, ressalto o espaço, o domo geodésico, estrutura espacial autoportante, que na sua concepção e forma pode-se pensar em redes, solidariedade, harmonia, pois composta por nós para os quais convergem caminhos e destes partem outros gerando uma grande teia. Estrutura que não possui pilares, tem sua base circular, e que no janeiro de 2005, no Parque Harmonia, durante o 5º Acampamento Intercontinental da Juventude no Fórum Social Mundial, esteve espalhada pela orla do Guaíba, sendo cinema, biblioteca, auditório, dormitório, espaço de oficinas, debates e de exercícios de malabaristas que se valiam do uso de feizes de tecido e cordas em interação com as hastes de bambú que estruturavam o domo. Aquelas geodésicas feitas com varas de bambú, material renovável, plantado e colhido, tratado e manufaturado para tornar-se um domo com nós metálicos e lona ou tecidos como coberturas, salas com 80 m² de área livre que atendiam quase cem pessoas nas suas atividades, que ao final do fórum foram distribuídas entre as organizações que construíram os fóruns em Porto Alegre e que montaram e desmontaram estes espaços utilizados por milhares de pessoas durante a semana de evento. Geodésicas, que algumas até hoje, 10 anos depois, mantêm sua atividade, e outras geraram por anos espaços comunitários onde não se tinha uma sala pública coberta.
Portanto, reforço o quão potente e encantador o projeto em análise pode ser, porém algumas inconsistências o tornam passível de ajustes para ser novamente apreciado por este conselho e assim ter sua caminhada à captação dos recursos pela LIC RS recomendada.
Ao citar quinze municípios como lugares para acolher o projeto, torna-se parte do projeto a anuência destes. O espírito do projeto diz da carência que muitas cidades sul-rio-grandenses têm de fruição e espaços de acesso aos produtos culturais cinematográficos para além da produção da indústria veiculada nos canais de TV aberta. Essa condição exige que os municípios e suas comunidades não estejam nos projetos como mero objetos de sustentação das justificativas do porquê das propostas. Portanto, é fundamental a obtenção das anuências, mesmo que, por algum motivo justificado a posteriori, se exija a alteração de algum destes locais no momento da execução por parte do proponente. Pensemos em cidadania cultural.
Com relação à participação dos municípios, há também, no momento que estes são parte da ação, como parceiros e interessados, contribuição na composição orçamentária da proposta com o mínimo de 10%, conforme normativa deste Conselho, que neste projeto equivaleria a R$ 97.639,00 e que, partilhado entre 15 municípios, representa uma parcela de R$ 6.500,00, montante acessível à realidade de pequenas economias.
Por fim, a condição para emitir parecer sobre a relação dos conceitos, enunciados no projeto, em filmes que serão parte do circuito, exige a citação dessas obras por parte do proponente, nos diversos formatos, estas que serão referência para ele elaborar a relação completa, definitiva, obras que também são passíveis de trocas no momento da execução mediante justificativa, mas fundamentais para o trabalho do relator.
3. Em conclusão, o projeto “Cinema sem Fronteiras”, na situação em que se apresenta, não é aprovado.
Porto Alegre, 28 de maio de 2015.
Leandro Artur Anton
Conselheiro Relator
Informe:
O prazo para recurso somente começará a fluir após a publicação no Diário Oficial.
O Presidente, nos termos do Regimento Interno, somente votará em caso de empate.
Sessão das 10 horas do dia 28 de maio de 2015.
Presentes: 16 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: Adriana Donato dos Reis, Demétrio de Freitas Xavier, Élvio Pereira Vargas, Fabrício de Albuquerque Sortica, Hamilton Dias Braga, Milton Flores da Cunha Mattos, Lisete Bertotto Corrêa, Loma Berenice Gomes Pereira, Luiz Carlos Sadowski da Silva, Jacqueline Custódio, Vinicius Vieira, Walter Galvani da Silveira (12)
Ausentes no momento da votação: Franklin Cunha, Susana Fröhlich (02)
Neidmar Roger Charao Alves
Conselheiro Presidente do CEC/RS
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