O projeto “1ª QUERÊNCIA ARTÍSTICA DE ARROIO DO MEIO” não é recomendado para a avaliação coletiva.
1. O projeto “1ª QUERÊNCIA ARTÍSTICA DE ARROIO DO MEIO”, evento com período de realização de 27/08/2016 a 28/08/2016, é um evento competitivo de danças tradicionais gaúchas, danças gaúchas de salão e declamação, em categorias diversas. Pretende o proponente que o evento continue se realizando anualmente na cidade de Arroio do Meio. Dois espaços abrigarão as competições de Danças Tradicionais (categorias mirim, juvenil, adulta e veterana), Danças Gaúchas de Salão (mirim, juvenil e adulta) e Declamação (categorias peão mirim, peão juvenil, peão adulto, prenda mirim, prenda juvenil e prenda adulto). Pertence à área de Artes Integradas. Receberá competidores de todo o RS. Serão premiados os 04 primeiros colocados de cada categoria com troféus e os 03 primeiros colocados com premiações em dinheiro, totalizando 39 premiações em dinheiro e 52 troféus. Os regulamentos dos concursos serão confeccionados de acordo com as diretrizes e critérios estabelecidos pelo Regulamento Artístico do MTG do RS. O evento ocorrerá no CTG Querência de Arroio do Meio, espaço cedido conforme autorização em anexo ao projeto. A abertura do evento será realizada pela Invernada do CTG Querência do Arroio do Meio. Na noite de sábado acontecerá a apresentação musical de Mano Lima. No domingo, finalizando o evento, acontecerá o momento de integração entre os grupos, sendo conduzido pelo Grupo Musical da Invernada Artística do CTG Querência do Arroio do Meio. Conforme o regulamento anexado, os participantes deverão portar o seu cartão tradicionalista. Poderão participar da competição, representantes de entidades tradicionalistas de todo o estado do Rio Grande do Sul, desde que devidamente filiadas ao Movimento Tradicionalista Gaúcho. Dentre os objetivos específicos estão: agregar em um só evento as danças tradicionais gaúchas, as danças de salão e a declamação; promover o intercâmbio cultural; incentivar a competição saudável; proporcionar uma programação cultural de qualidade, com classificação livre e entrada franca; realizar apresentações musicais de um artista ícone da música regionalista gaúcha; afirmar ao público valores da história e tradição gaúcha. O evento espera 3.000 pessoas e será realizado pela MJ Produtora de Eventos. Na equipe principal estão MJ Produtora de Eventos na coordenação geral, Beloni da Silva Bastos na coordenação artística e Cristiane M de Araújo como contadora. O valor proposto do projeto e habilitado sem alterações pelo SAT é de R$ 239.989,00, tendo como fonte de financiamento unicamente o Sistema LIC.
É o relatório.
2. Tenho que, em que pese a diligência ter sido respondida pelo proponente, pendem inconsistências importantes. Especialmente quanto aos valores apresentados na planilha de custos para cobertura fotográfica, locação de equipamento de iluminação, técnicos e operador de iluminação, carregadores, eletricista, locação de gerador e tablado, alimentação, hospedagem e troféus, itens 1.22 a 1.40, em um total de R$ 88.440,00 que foram ratificados pelo proponente como compatíveis com o mercado — com o que não podemos concordar, especialmente considerando que se trata de dois dias de evento, sob pena de, como se tem dito, estar-se incentivando a “estrutura”.
De outro lado, o proponente respondeu que havia incluído as palestras na programação, tendo providenciado, com a diligência, a inclusão no espaço metas das palestras “O Chimarrão” e a “Evolução da Indumentária Gaúcha”.
O conceito de retorno de interesse público está contido no art. 6º parágrafo único, inciso II da IN 01/2016, verbis: II - Retorno de interesse público: ação e/ou atividade que o proponente deverá promover durante o período de realização do projeto, previsto nos termos do art. 38 do Decreto 47.618/2010 (Art. 38. O projeto cultural deverá, necessariamente, prever retorno de interesse público pelo benefício, representado por quotas de doações, apresentações públicas ou outras formas, o que será um dos aspectos a ser considerado na avaliação).
Bem, em se tratando de importante aspecto do projeto a ser avaliado, verifiquei que a IN 01/2016 determina neste ponto o seguinte: "Realização de oficinas ou cursos relacionados à área e segmento cultural do Grupo Artístico, ofertados gratuitamente, que poderão ser financiados com recursos do Pró-Cultura RS LIC, em data a ser informada à SEDAC com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, integrando o Programa Estadual de Formação e Qualificação na Área Cultural, previsto no art. 21 da Lei 14.310/2013."
O projeto está inserido na área de Artes Integradas, identificando-se como evento competitivo de danças tradicionais gaúchas, danças gaúchas de salão e declamação, assim poder-se-ia questionar se as palestras sobre chimarrão e indumentária estariam diretamente relacionadas à área de Artes Integradas ou, se à área/segmento Tradição e Folclore. Fica a pergunta. Ao que parece, s. m. j., não há a devida relação exigida pela lei.
Ademais, conforme o item 11 do projeto (programação), no sábado, as apresentações iniciam às 9h e prosseguem até às 21h. Vem a questão: quem assistirá a palestra “O chimarrão” no sábado às 10h e às 15h, bem como a "Evolução da Indumentária Gaúcha" às 16h10min? O mesmo se dá no domingo quando as apresentações iniciam às 9h e findam às 18h, sendo que a palestra “O chimarrão” será às 10h e às 11h, a “Evolução da Indumentária Gaúcha". Sendo um festival competitivo, o que se espera, normalmente, é que as luzes e atenção estarão para os concorrentes, esvaziando o interesse nas palestras, especialmente porque acontecerão paralelamente. Não me parece adequado o local Espaço da Bocha, que se trata de uma pista de esportes, onde, em tese, os assistentes ficam em pé — isso sem contar que não há o silêncio necessário, o que compromete definitivamente a transmissão de qualquer conteúdo. No sentir desta conselheira, não se está atendendo o retorno de interesse público, desimporta se são custeadas ou não por verba pública, as palestras/oficinas são aspectos de obediência obrigatória e temos a responsabilidade de avaliar se atingem o objetivo da lei.
Nos demais aspectos de mérito, este Conselho já apreciou projetos idênticos no sentido de não recomendar a premiação em dinheiro para crianças e adolescentes, evitando tautologia, transcrevo os fundamentos já conhecidos.
Conforme relata o proponente, trata-se de um evento competitivo de danças tradicionais gaúchas para invernadas nas categorias infantil, mirim, juvenil, adulta e xirú e, da mesma forma, de danças de salão tradicionalistas gaúchas, para duplas.
Há previsão de premiação para os 04 primeiros colocados de cada categoria com troféus e os 03 primeiros colocados com premiações em dinheiro, totalizando 39 premiações em dinheiro e 52 troféus.
O regulamento para os concursos é confeccionado de acordo com as diretrizes e critérios estabelecidos pelo Regulamento Artístico do MTG do Estado do Rio Grande do Sul.
Adverte o proponente que, na apresentação, cada participante deverá portar o seu cartão tradicionalista e que poderão participar da competição representantes de entidades tradicionalistas de todo o estado do Rio Grande do Sul, desde que devidamente filiadas ao Movimento Tradicionalista Gaúcho.
Conforme se nota, há uma estreita vinculação do projeto com as diretrizes e critérios estabelecidos pelo regulamento artístico do MTG.
É de conhecimento público que os festivais competitivos se multiplicaram nos últimos anos, merecendo atenção da mídia e dos responsáveis pela produção cultural do Estado.
É reconhecido o caráter eminentemente divulgador e mantenedor da cultura regional em eventos como o que se apresenta, contudo entendemos que merecem atenção importantes pontos que tem passado despercebidos aos produtores.
Os Festivais e Rodeios Artísticos do RS, atualmente, apresentam evidente inspiração e regramento baseado no Encontro de Artes e Tradições Gaúchas, o ENART, realizado sobre a coordenação do Movimento Tradicionalista Gaúcho em parceria hoje com o Estado do RS, através da LIC e prefeitura de Santa Cruz do Sul. Considerado pela UNESCO como o maior Festival de Arte Amadora da America Latina, o evento envolve, ano após ano, milhares de pessoas, entre concorrentes, visitantes e organizadores, contando com investimento público, privado e de colaboradores não remunerados para a sua realização.
Transcrevo, no que importa para esta fundamentação, alguns artigos do citado Regulamento do ENART:
Art. 4º - Somente poderão participar do ENART aqueles concorrentes, incluindo seus músicos acompanhantes, que completarem 15 (quinze) anos de idade até o dia definido para o início da fase final.
(...)
Art. 70 - Nas duas etapas iniciais não haverá premiação.
Art. 88 - É vedado aos promotores do ENART, em qualquer uma de suas etapas, o oferecimento de prêmios em dinheiro a qualquer participante e sob qualquer circunstância.
Consta no regulamento anexado pelo proponente a seguinte classificação para o concurso de danças tradicionais, categorias: Infantil - até 09 (nove) anos; Mirim - até 13 (treze) anos; Juvenil - até 17 (dezessete) anos; Adulta - mínimo 15 (quinze) anos; Veterano - mínimo de 30 ( trinta) anos. O que segue os ditames do regulamento artístico do MTG/RS.
Verifico que as diretrizes e critérios que constam no regulamento do presente projeto correspondem aos ditames do MTG/RS em relação às categorias, conteúdo artístico das apresentações, coreografia, música, etc., e, não com a premiação em dinheiro, porque esta é vedada expressamente.
Sabe-se que a premiação em dinheiro traz em seu bojo um atrativo aos concorrentes, contudo, há que se fazer uma séria reflexão ao oferecimento de prêmio em dinheiro para crianças e adolescentes.
Consta do regulamento do presente projeto quanto à premiação que: XIII - Para o recebimento dos valores das premiações é necessário que o competidor apresente troféu, cartão tradicionalista, um documento de identidade e ser maior de idade e inciso XIV - A produtora cultural/organização do festival não pagará as despesas de hospedagem, alimentação e transporte dos competidores, mas disponibilizará uma área para acantonamento.
Haverá quem diga que sempre foi assim, que é salutar a competição, que a premiação estimula e aumenta o nível dos concorrentes, assim como também há os fatores incentivo e fomento à cadeia produtiva da cultura.
Reconhecemos estas possibilidades, com certa tranquilidade para adultos, pessoas com nível de desenvolvimento físico e intelectual completo. Tanto é que inúmeros projetos de festivais, das mais diferentes modalidades artísticas, tem sido recomendados por este Conselho e considerados prioritários.
Entende esta conselheira que a realidade atual impõe que se reflita e que se tome atitude prática em relação à avaliação do mérito cultural de projetos de essencial caráter de competição.
A questão não é nova e sobre ela vários pensadores, pedagogos e sociólogos já se debruçaram. Recentemente o assunto veio à tona na estreia do Masterchef Júnior, suscitando novamente o debate sobre a participação de crianças em programas de competição. Coleciono, em parte, artigo publicado no Jornal Zero-Hora (http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2015/10/estreia-de-masterchef-junior-suscita-debate-sobre-participacao-de-criancas-em-programas-de-competicao-4884753.html#) sobre o tema, a título de informação, vejamos: "Assim que MasterChef Júnior foi anunciado, imaginava-se que, por lidar com crianças entre nove e 13 anos, a versão do reality show de sucesso da Band teria uma rotação mais baixa do que sua edição para adultos. No original, as quase três horas de atração são recheadas por momentos de tensão, gritos e duras cobranças por parte dos jurados. No programa que estreou terça-feira, os chefs Erick Jacquin, Paola Carosella e Henrique Fogaça e a apresentadora Ana Paula Padrão, de fato, esforçam-se para trocar a exigência por afagos, a pressa por complacência, o clima pesado pela diversão. Mas, nas redes sociais, a atração acabou ensejando debates nada leves. Discute-se desde o perigo dos pequenos chefs "mexerem com faca e fogo" até a inadequação de vê-los envolvidos em uma competição, (...). A psicóloga Maria Lucia Stein, especialista em adolescentes, faz uma ponderação:
— Competição existe em qualquer instância e é algo saudável em certo grau. Temos de pensar é na exposição na mídia, algo que pode ser prejudicial. O reconhecimento do fracasso e do sucesso, em uma criança com menos recursos para lidar com frustrações, pode trazer efeitos no desenvolvimento.
(...) Em um texto sobre o assunto, a jornalista Cássia Zanon, dona do blog Mãe de Proveta, reclama da exposição de "crianças sendo impelidas desde tão cedo (...) a dar tudo de si, não de uma maneira colaborativa (...), mas concorrendo a prêmios do tamanho de uma viagem a Disney com direito a cinco acompanhantes, só para não dizer que o prêmio é dinheiro". A preocupação não é só de Cássia, mãe de uma menina de três anos — a Comissão de Direitos Infanto-juvenis da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo também olha atentamente para o reality. — Existem precauções que precisam ser tomadas: deve-se fazer um pedido antes de entrar no ar, explicando o tempo que vai tomar dessa criança, se vai ser possível conciliar com a escola, como aquilo vai contribuir para a formação. Aquelas crianças só estão lá porque foram autorizadas por um juiz. Mas como vamos mensurar a exploração da imagem? Imagina que ela minta, em determinado momento, sobre algum ingrediente. Tudo é potencializado, a opinião pública pode amar e odiar — avalia o presidente (...)".
No caso, vamos direcionar a argumentação para a questão da competição, obviamente incluída aí a exposição da criança.
A competição entre as crianças tem sido, inclusive, associada ao aumento da violência nas escolas. Em artigo publicado no sitio http://golfinho.com.br/artigo/ensinando-as-criancas-a-serem-pacificadoras.htm, em 17/03/2004, sob o título Ensinando as Crianças a serem Pacificadoras, Lauren Bradway, Ph.D., refere que com a erupção da violência nas escolas, os pais estão procurando aprender como ensinar as crianças a serem apaziguadoras. Um grande passo nessa direção será fazer com que nossas crianças aprendam a cooperar, ao invés de competir umas com as outras. O estudo se refere à sociedade americana, contudo nos serve de alerta, diante da identidade dos fatos. Reforça a autora que nós louvamos a competição e a encorajamos entre nossas crianças, já nos anos da pré-escola. A competição não é inocente, há perigos, sustenta Lauren: Em cada situação competitiva enfrentada por uma criança está a terrível realidade: "se ele ou ela ganhar, eu perco". Alfie Kohn em seu livro, "No Contest: the Case Against Competition" (ainda sem tradução - Sem disputar: O caso contra a Competição) insiste em que falar de "competição saudável" é uma contradição de termos. Não somente a competição não é saudável para as crianças, como veremos, mas também fomenta muitos perigos. Há uma grande diferença entre procurar sair-se bem e procurar sair-se melhor do que os outros. A competição pode produzir níveis de ansiedade inibidores. Crianças que têm sucesso nos debates, ou que ganham prêmios em competições musicais, por exemplo, muitas vezes o fazem por terem temperamento para suportar a pressão do evento, mais do que o talento para ganhar. A criança artística, sensível, pode se tornar incapaz de fazer as coisas, devido ao estresse da competição. Kohn cita pesquisa mostrando que crianças que tomam aulas de arte e competem por prêmios mostram menos criatividade do que aquelas que não competem. Não há dúvida de que isso se deve ao fato de que essas crianças correm menos riscos ao produzir obras de arte que elas esperam agradar os juízes mais do que a si próprias. Conforme a citada autora, a competição é uma "vaca sagrada" em nossa sociedade. Nós nos agarramos à crença de que ela forma o caráter quando, de fato, existem evidências de que o que ela forma são ressentimentos. A mestra apresenta a provocação "o que podemos fazer quanto a isso?" Sugere a mudança de regras para os jogos favoritos, de modo que todas ganhem, também o encorajamento para que a criança se envolva em projetos comunitários, que recompensa a cooperação. As crianças devem ser elogiadas pelo que são mais do que por uma determinada realização. Sugere que se retire a ênfase das estrelas de ouro e notas e se enfatize o autoconhecimento, a empatia pelos outros e a alegria de aprender. Devemos ensinar as "novas regras básicas" das habilidades que as crianças precisam para alcançar sucesso no século XXI: respeito por si mesmo e pelos outros, capacidade de trabalhar em cooperação, capacidade de administrar a raiva, e a compreensão de que a violência sob qualquer forma é inaceitável. Ressalta que o aprendizado cooperativo dá suporte à pacificação e que se continuarmos a patrocinar a competição, jamais teremos sucesso em ensinar nossas crianças a serem apaziguadoras. Como sociedade, devemos entender que não podemos ter uma coisa se insistirmos em manter a outra.
Ainda, quanto à premiação em dinheiro, verifico que o item 1.41 da planilha de custos traz o valor total de R$ 41.285,00 para esta rubrica, sendo que os valores pagos individualmente constam no regulamento.
Constam valores diferenciados por vencedor em cada categoria. Por exemplo, dança de salão mirim, 1º lugar, R$ 300,00 e dança de salão adulta, 1º lugar, R$ 700,00. Isso poderia ser considerado discriminatório, pois se estaria considerando, s.m.j, que o concorrente com maior idade (adulto) apresenta maior capacidade artística do que o de menor idade. Contudo os valores pagos aos jurados das diferentes categorias é o mesmo, R$ 1.250,00 para cada um, o que comprova o mesmo nível de exigência, em tese.
Ademais em se tratando de criança, especialmente as menores de 14 anos, os valores de premiação são recebidos e administrados pelos pais, podendo inclusive, ser equiparado a trabalho infantil, como vem sendo tratada a matéria pela Justiça do Trabalho e Ministério Público. Vejamos excertos do artigo publicado na Revista http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uninove/livro.php?gt=196: “Tem-se assim que, com o capitalismo, tudo deve resultar em dinheiro, o que antes era motivo de discriminação e preconceito, passa a ser fonte de renda e lucro. (...) Desta forma, é fácil perceber que existem outros motivos que influenciam o labor infantil no meio artístico. É o que afirma Vila Nova (2005) citada por Cavalcante (2011). Além de ser um trabalho mais bem remunerado do que o clássico trabalho infantil, o trabalho artístico tem outras motivações não financeiras, como a vaidade dos pais e a ideia de que se dar bem na vida é conseguir sucesso e fama. (VILA NOVA, 2005 apud CAVALCANTE, 2011, p. 48). É nesse contexto que a exploração do trabalho infantil acontece e passa, por muitas vezes, despercebida por todos. “Afinal, ninguém pensa, ao ver a leveza da bailarina, que seus pés doem muito (...) que os ombros do pianista latejam de dor ao executar aquela linda música (...)” (CAVALCANTE, 2011, p. 48). O trabalho artístico de um modo geral requer muito treinamento e dedicação, assim como todas as profissões tidas como intelectuais, cujo esforço não é visto por aqueles que apenas veem o produto final. Em relação ao trabalho realizado por crianças e adolescentes, esse esforço dobra já que trata-se de um sujeito mais frágil que se cansa e se irrita com mais facilidade (CAVALCANTE, 2011)
(...) Tal exploração foi constatada por Sandra Regina Cavalcante ao realizar entrevistas para escrever o seu livro Trabalho Infantil em atividades artísticas: do deslumbramento à Ilegalidade, constatando a realidade desse ambiente de trabalho ouviu relatos de crianças cansadas, perdendo aulas, mães cobrando dos filhos desempenho, esforço, jornadas de trabalho dignas de um adulto. Sem acompanhamento psicológico, fiscalização do Ministério Público ou autorização judicial, crianças ficam 12 horas a disposição da produtora/emissora, às vezes com alimentação, outras não, às vezes de madrugada, às vezes com gente bem humorada outras não. (CAVALCANTE, 2011, p. 49). (...) Assim, o trabalho infantil artístico afronta os princípios consagrados pelas normas internacionais dos direitos humanos, como por exemplo, o art. 9º da Declaração dos Direitos da Criança, qual seja, o direito da criança de ser protegida contra a exploração no trabalho, citado por Piovesan e Luca (2010, p. 365) “em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde, sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral”.
Poder-se-ia, neste ponto, sugerir a utilização de um critério igualitário aos participantes, que assim prefiro denominar ao invés de competidores, no sentido de estimular a participação e não simplesmente a competição. Em alguns festivais, a ajuda de custo foi a melhor forma encontrada de modo a estimular a participação dos pré-selecionados. Evidentemente é o pensamento desta conselheira, que de forma alguma tem o condão de pretender dirigir a formatação de futuros projetos.
Refresco a memória transcrevendo o contido na RESOLUÇÃO Nº 003/2007/CEC:
“Art. 1º “Os projetos culturais de qualquer natureza submetidos à apreciação do Conselho Estadual de Cultura serão examinados, segundo a política cultural do Estado do Rio Grande do Sul, em duas etapas: I - quanto ao mérito (oportunidade e relevância), por um Conselheiro Relator, ao qual caberá, mediante Parecer, recomendá-lo ou não”.
O art. 2º elenca os critérios para exame do mérito, no caso, cito os seguintes: "II - democratização da cultura e tratamento igualitário a todas as áreas e segmentos culturais; IX - resgate e pesquisa dos valores culturais; X - incorporação de novas formas de expressão; XI - conteúdo educativo; XII - divulgação e difusão de fatos históricos significativos; (...) XV - contrapartida pela utilização de recursos públicos, expressa em compensação material e/ou de fruição social ao Estado e à coletividade, observados a proporção dos valores aplicados, os meios de distribuição, a destinação e as características de abrangência de cada projeto; XVI - cumprimento do Art. 7º, XI, da Constituição do Estado, quanto aos bens produzidos sob remuneração ou custeio público, direto ou indireto; XVII - clareza de objetivos, adequação e enquadramento dos diversos aspectos do projeto, em especial quanto: a) às finalidades específicas de leis como a de Financiamento e Incentivo às Atividades Culturais; (...)".
Quando a resolução remete ao o art. 7º, XI, da CF, quer dizer que são bens do Estado: XI - os inventos e a criação intelectual surgidos sob remuneração ou custeio público estadual, direto ou indireto.
Assim, todo o cuidado é pouco quando se trata de recomendar ou não recomendar a aplicação de verbas públicas.
Portanto, quando se recomenda e prioriza um projeto há que se considerar que esse passará a ser bem do Estado.
Se tratando de conceitos indeterminados, a interpretação dos critérios tende a variar no tempo e no espaço, conforme as políticas de Estado, necessidades e adequações ao momento social.
Assim, no meu sentir, também não vislumbro no caso o atendimento ao contido especialmente no inciso XV da Resolução n. 003/2007, relacionado à proporção dos valores aplicados.
Apenas ratificando e finalizando, é necessário, olhar diferente para as diferentes situações. Patrocinar a competição entre crianças, no meu entender, não é saudável. Mais grave ainda, se premiadas em dinheiro através do financiamento público.
Repito o que tenho entendido em relação aos festivais de música, no sentido de que por vezes parece que o hábito é mais forte do que o desejo de criação ou inovação que pode permitir que novos talentos tomem conhecimento, encorajem-se e tenham as portas abertas pelos festivais. A história mostra que a repetição de um formato pode afastar o público, fazendo com que tais iniciativas percam o vigor e, com o tempo, o sentido de sua existência. Muitos foram os festivais que deixaram de existir pelas mais diversas razões, mas a maior delas foi a preservação de velhas fórmulas.
Ressalto que não há remédio para projetos apresentados neste formato, não há falar em glosa pura e simples de modo a salvar o projeto, o que revelaria absoluta contradição diante das razões elencadas, porque a mácula está na substância e não na superfície.
Não poderia deixar de citar Paulo Freire quando refere que homens e mulheres não apenas estão no mundo, mas “com o mundo”. Nessa relação homem/mundo ocorrem atos de criação e recriação permanentes, daí porque, se a compreensão do mundo for crítica, a ação será crítica e transformadora, se for mágica ou ingênua, assim também será sua ação no mundo.
Cabe lembrar que os profissionais participantes do presente projeto na condição de proponentes, apresentadores, jurados, artistas, bem como equipes de som e iluminação, tem tido sua competência e comprometimento com a atividade cultural deste Estado reconhecida ao longo dos anos. Fazem prova disto os inúmeros projetos já aprovados e priorizados, tanto por esta conselheira como pelo DD. Conselho de Cultura do RS.
Contudo, neste caso, a fundamentação invocada está a indicar a não recomendação do presente projeto.
3. Em conclusão, o projeto “1ª Querência Artística de Arroio do Meio” não é recomendado para a Avaliação Coletiva.
Porto Alegre, 31 de agosto de 2016.
Alessandra Carvalho da Motta
Conselheira Relatora
Informe:
O prazo para recurso somente começará a fluir após a publicação no Diário Oficial.
O Presidente, nos termos do Regimento Interno, somente votará em caso de empate.
Sessão das 13h30min do dia 12 de setembro de 2016.
Presentes: 20 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: Ivo Benfatto, Paula Simon Ribeiro, José Mariano Bersch, Luiz Armando Capra Filho, Élvio Pereira Vargas, Erika Hanssen Madaleno, Marco Aurélio Alves, Dael Luis Prestes Rodrigues, Maria Silveira Marques, Ieda Gutfreind, Luiz Carlos Sadowski da Silva, Marlise Nedel Machado, Luciano Fernandes e Walter Galvani.
Abstenções: Rafael Pavan dos Passos, Gilberto Herschdorfer, Lucas Frota Strey e Vinicius Vieira.
Antônio Carlos Côrtes
Conselheiro Presidente do CEC/RS
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