O projeto “QUANDO OS RIOS SE ABRAÇAM - 2018” não é recomendado para a Avaliação Coletiva.
1. O projeto em epígrafe tem como produtor cultural Ana Lúcia da Silva, a cargo também da coordenação administrativo-financeira e da contabilidade. Integram ainda a equipe principal Atahualpa Ottonelli Maicá, como músico, produtor executivo e diretor musical; André Schmidt Ely; João Manoel Libio, Marcos Alves de Lima, Bruno Ebone Neto e Cristine Vasconcellos, como músicos, sendo a última também responsável pela oficina; Natália Kauffmann Coelho, como assessora de comunicação; e Digital Midiatec Comércio Fonográfico Ltda, à frente da mídia digital.
O projeto prevê a gravação do CD "QUANDO OS RIOS SE ABRAÇAM", do músico Atahualpa Maicá, que tem suas origens em uma família que canta as tradições gaúchas e a defesa da natureza. O lançamento do CD, que conterá dez músicas, sendo a maioria delas inéditas, está previsto para março de 2018, com show gratuito às margens do Rio Taquari, em Lajeado. O título Quando os rios se abraçam faz alusão ao encontro dos rios Taquari e Antas, que banham a região do Vale do Taquari. Segundo o proponente, o projeto apresenta-se como importante para o desenvolvimento cultural ao demonstrar o quanto a memória está intimamente ligada aos acontecimentos vividos, às pessoas e aos lugares. Com a proposta de reunir em um CD músicas que falam da nossa gente, da grandeza econômica que as águas proporcionaram nos idos tempos, das heranças deixadas pelos antepassados, dos encontros e desencontros e do que se perde por não cuidar, o projeto propõe algo muito além da gravação de uma mídia e da realização de um show: a ideia é propiciar uma reflexão sobre o quanto estamos olhando para o patrimônio cultural do nosso estado.
Como objetivos específicos do projeto, temos:
- levar ao público música de qualidade, enriquecendo e estimulando a formação cultural dos ouvintes;
- criar hábito do pensar e propagar os valores culturais do estado;
- estimular a autoestima da população através do conhecimento e reconhecimento de nossos valores e talentos;
- conscientizar a população da importância do reconhecimento de sua cultura, para o seu desenvolvimento pessoal e desenvolvimento do estado.
Além da realização do show, está prevista a prensagem de 3.000 CDs, que serão doados para diversas entidades, entre elas escolas municipais de Lajeado, universidades, grupos tradicionalistas costeiros e centros tradicionalistas do Vale do Taquari. Há ainda a previsão de duas oficinas, sob responsabilidade da violinista Cristine Vasconcellos, cada uma com uma hora e meia de duração, para 12 crianças e adolescentes por oficina. Segundo o que consta nos anexos do projeto, buscar-se-á parceria com entidades locais que trabalham com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. O conteúdo programático para as oficinas será o seguinte:
10 min - breve explicação do folclore gaúcho e suas origens;
10 min - audição de melodias folclóricas ao violino;
20 min - aprendizado e execução dos ritmos que são referentes às melodias anteriormente propostas;
20 mim - ensaio realizando a prática de conjunto, mesclando ritmos e melodias;
20 min - dividir em grupos de três integrantes e cada um vai compor um improviso referente às melodias trabalhadas anteriormente, criando variações das células rítmicas que compõe as canções de cada grupo;
10 min - para apresentação das composições, que serão gravadas em dispositivos móveis.
O projeto tem como única fonte de financiamento o Sistema Pró-cultura RS, tendo sido solicitados R$ 198.146,52, dos quais R$ 183.646,52 foram habilitados pelo SAT.
É o relatório.
2. Em 27 de setembro de 2017, o projeto em tela foi relatado ao Pleno deste Conselho com um parecer favorável, que o recomendou para a avaliação coletiva. No entanto, a maioria do Pleno não acompanhou o voto proferido, de forma que foi feita a devida redistribuição. Este projeto está bem instruído e apresentado com clareza, especialmente no que tange às metas a que se propõe. O músico Atahualpa Ottonelli Maicá tem trajetória reconhecida no estado, de forma que é importante deixar claro que a não recomendação deste projeto em nada tem a ver com a qualidade desse artista, a qual não se está questionando de forma alguma. No entanto, a recomendação de um projeto não se limita ao reconhecimento das qualidades de um artista; é necessário que a proposta demonstre ser relevante e oportuna a fim de que se possa afirmar seu mérito cultural, o que, salvo melhor juízo, não parece ser o caso deste projeto.
A proposta em tela é, como claramente se pode perceber, a da produção de um CD em todas as suas fases. Aqui são solicitados recursos públicos para a totalidade dos cachês artísticos — incluindo ensaios, a gravação e show de lançamento do CD —, além de todos os demais custos de produção do CD, tais como: locação de estúdio, projeto gráfico, prensagem, frete, taxa de inscrição para registro internacional e extensa divulgação, culminando com o show de lançamento do disco. Ou seja, finalizado este projeto, o artista estaria com toda a estrutura necessária para comercializar seu CD e, como costuma ser praxe neste mercado, iniciar uma tournée de apresentações para seguir divulgando seu trabalho. É importante frisar que, ainda que o projeto não contenha esta fase de comercialização, não há a menor dúvida de que ela acontecerá, até porque seria, no mínimo, incoerente realizar todo um trabalho ao longo de meses e, quando tudo estivesse finalmente pronto, não dar prosseguimento ao mesmo. Em face ao exposto, cabem algumas considerações: (1) não se trata de um artista iniciante que solicita recursos para alavancar sua carreira; (2) também não se trata de um projeto com um orçamento enxuto, como se pode facilmente verificar pela planilha orçamentária; (3) o artista Atahualpa Maicá, que seria, sem dúvida, o maior beneficiado depois que o projeto encerrasse, já que teria um material pronto para comercializar, incluindo um grande investimento em mídia pessoal, não oferece qualquer contrapartida financeira e ainda solicita, somente para si, quase R$ 50.000,00 ao Sistema Pró-cultura (os quais inclusive foram parcialmente glosados pelo SAT). Isso sem contar a rubrica 1.1, referente aos direitos autorais das músicas, na qual o artista também teria participação.
À luz dessas considerações, é pertinente lembrar o espírito sob o qual foram criadas as leis de incentivo à cultura, que, no que diz respeito ao acesso dos artistas aos meios de produção, é de auxiliá-los a fim de que possam, também com seus esforços, dar sustentabilidade ao seu trabalho artístico. Reafirma-se que, no caso do projeto em tela, estamos claramente diante de uma situação onde os custos são totalmente solicitados ao sistema público, enquanto que o lucro que advirá posteriormente à finalização do projeto será todo privado. É certo que há uma cota de CDs que serão distribuídos gratuitamente a algumas instituições (e cuja relevância da ação não será discutida neste parecer), mas não há qualquer dúvida de que a natureza do projeto em tela é a de viabilizar um produto comercial para uso posterior. Esclarece-se que não há problemas que se destinem recursos públicos para que um artista, ainda que já tenha uma trajetória, viabilize seu CD, mas a problemática deste projeto está na proporção de cem por cento de recursos solicitados ao sistema público contra zero de investimento do artista. Para que um projeto de realização de um CD como este se mostrasse oportuno, o Estado até poderia ser chamado a participar como parceiro, mas o artista em questão deveria, necessariamente, contribuir de forma substancial, especialmente em face das oportunidades comerciais que o projeto claramente viabiliza.
Soma-se a isso, como agravante, o fato de que não se trata de um projeto financeiramente modesto; ao contrário, percebem-se diversos valores como excessivos, tomando por base os praticados no mercado. Somente para dar alguns exemplos de como a proposta se mostra onerosa, unicamente a título de coordenação administrativo-financeira, são solicitados R$ 16.000,00, dos quais parte foi inclusive glosada pelo SAT; para assessoria de imprensa e gestão de redes sociais são mais de R$ 9.000,00; encargos com contribuição previdenciária passam de R$ 20.000. Aliás, acerca desta última rubrica, cabe a observação de que, desde 2009, com a criação do MEI, já não se justifica mais que qualquer profissional precise onerar dessa forma um projeto cultural, devido à tremenda facilidade na obtenção do cadastro de microempresário individual, onde sequer é necessária a emissão de nota fiscal. Esses são somente alguns valores destacados do projeto, sem contar o montante pretendido pelo artista principal, como já foi anteriormente mencionado.
Finalizando esta parte, é relevante considerar que, se um projeto nos moldes deste fosse recomendado para receber recursos públicos, isso poderia abrir um precedente para que todos os artistas em semelhante situação fizessem o mesmo, ou seja, solicitassem recursos públicos para viabilizarem seus projetos comerciais. Ao imaginar tal hipótese, não haveria recursos do Sistema Pró-cultura suficientes para dar conta dessa demanda. Assim sendo, é preciso que entendamos, de uma vez por todas, que não se pode mais seguir incentivando a prática de se socializar os custos enquanto se privatiza o lucro.
Para finalizar, ainda que, no entender desta conselheira, as razões já apontadas justifiquem plenamente a não recomendação do projeto, cabe uma última observação acerca da proposta da oficina. É bem verdade que a proposta de uma ação de contrapartida é solicitada pela atual instrução normativa e que, muitas vezes, essa ação talvez não faça parte do projeto inicialmente previsto pelo proponente. No entanto, há que se ter um mínimo de coerência nas ações propostas. Objetivar trabalhar com um grupo de jovens em situação de vulnerabilidade social pelo exíguo período de uma hora e meia e pretender realizar as atividades descritas não pode ser tomada como uma proposta séria. Por exemplo, o proponente afirma que, em dez minutos, fará uma breve explicação sobre o folclore gaúcho e suas origens. Ora, cobrir somente este tópico com algum grau de efetividade já tomaria todo o tempo previsto da atividade. Além disso, imaginar que um grupo de crianças e jovens que não estudam música venham a compor um improviso musical, criando variações de células rítmicas a partir de melodias que talvez nem façam parte da sua vivência, em somente 20 minutos, extrapola qualquer linha de razoabilidade. Claramente a proposta desta oficina não está minimamente adequada ao público-alvo apontado, nem à carga horária estipulada, de forma que não se mostra nem relevante, nem oportuna.
3. Em conclusão, o projeto “Quando os Rios Se Abraçam – 2018” não é recomendado para a avaliação coletiva.
Porto Alegre, 14 de outubro de 2017.
Marlise Nedel Machado Conselheira Relatora
Informe:
O prazo para recurso somente começará a fluir após a publicação no Diário Oficial.
O Presidente, nos termos do Regimento Interno, somente votará em caso de empate.
Sessão das 13h30min do dia 18 de outubro de 2017.
Presentes: 22 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: Jaime Antônio Cimenti, Ivo Benfatto, Paula Simon Ribeiro, José Mariano Bersch, Plínio José Borges Mósca, Élvio Pereira Vargas, Antônio Carlos Côrtes, Erika Hanssen Madaleno, Paulo César Campos de Campos,Dael Luis Prestes Rodrigues, Gilberto Herschdorfer, Maria Silveira Marques, Liana Yara Richter, Rafael Pavan dos Passos, Luiz Carlos Sadowski da Silva, Luciano Fernandes, Claudio Trarbach, Dalila Adriana da Costa Lopes, André Venzon e Walter Galvani.
Marco Aurélio Alves
Conselheiro Presidente do CEC/RS
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