Processo nº 2410-11.00/17-0
Parecer nº 018/2018 CEC/RS
O projeto “RODA CULTURA – 1ª EDIÇÃO - 2018” não é recomendado para a avaliação coletiva.
1. O projeto cultural RODA CULTURA – 1ª EDIÇÃO - 2018 foi habilitado pelo SAT nos termos da legislação vigente e distribuído a este parecerista em 19/12/2017. O proponente é Quinteto Canjerana Ltda ME, CEPC nº 5895. A área do projeto é ARTES INTEGRADAS. O local de realização do projeto será na Praça 12 de Maio, no município de Camargo/RS, com anuência da prefeitura, porém sem estudo de impacto ambiental e PPCI. A responsável legal do projeto é Juliana Souza. Integram ainda a equipe principal as empresas ACTO GESTÃO E APOIO ADMINISTRATIVO, como captador de recursos, e M. HORN E CIA LTDA, como coordenador financeiro. O contador é Tiago Luzzi, CRC 0890770. A estimativa de público é de 10 mil pessoas durante os três dias do evento. Preveem realizar o projeto em tela como parte cultural concomitante a uma feira de agronegócio na cidade, comemorando o aniversário de 30 anos do respectivo município com show de danças, musicais e teatro e oficinas, “oferecendo uma programação diversificada, com apresentações de diversos segmentos, integrando a comunidade e promovendo o trabalho de artistas locais e regionais”. O valor total é de R$ 137.800,00 (cento e trinta sete mil e oitocentos reais), sendo R$ 117.000,00 (cento e dezessete mil reais) a ser financiado pela Lei de Incentivo à Cultura no Estado do Rio Grande do Sul (LIC-RS) e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) como contrapartida de prefeitura daquele município.
É o relatório.
2. Este projeto, como tantos outros, aposta no lugar comum da cultura dos imigrantes italianos que aqui chegaram. No entanto, os “Camargo”, como citam na história do município, referem-se a duas famílias de caboclos com o sobrenome Camargo que moravam perto do rio, batizado com este mesmo nome, onde os tropeiros tinham que passar e costumavam localizar dizendo: “Passo dos Camargo”. Não vemos como este projeto pode se dedicar a origem histórica deste município, pois o termo caboclo é o mestiço de branco com índio. Também era a antiga designação do indígena brasileiro, podendo, ainda, ser sinônimo de caipira. Todavia, entre as atrações musicais, estão contemplados exclusivamente gêneros musicais gauchescos e da cultura italiana. Às vezes é necessário ter que romper com este apego demasiado às raízes para avançar, no sentido de uma abertura para o novo, o diferente, ou até mesmo outro ponto de vista. Porém não para atrações como Frozen, Peppa Pig, Minions, Bob Esponja com seus amigos Patrick e Lula Molusco, entre as atrações do sugestivo Festival Kids. Não devemos bancar eventos com este tipo de atrativo. Quem quiser tê-los, que os pague - apenas isso. O Estado encontra-se com falta de recursos e apresenta inegáveis dificuldades até para pactuar, inclusive, com aqueles municípios que já aprovaram projetos neste Conselho. Nossa responsabilidade ao distribuir recursos públicos deve ser diretamente proporcional a nossa seriedade. Não nos impressiona que este produtor não tenha conseguido ainda uma recomendação, pois vem colecionando igualmente não recomendações e indeferimentos desde 2016. Está na hora de procurar entender que uma boa política cultural, tanto em âmbito global quanto local, significa transformar princípios em ações, não apenas que correspondam às demandas de uma comunidade, mas que interroguem sua realidade, quase sempre provinciana. Embora o evento seja no coração da respectiva cidade, a proposta não consegue transcender a política “da praça e do coreto”, literalmente, e desta condição anacrônica de desenvolvimento em que se encontram a maioria dos municípios do estado - pujantes em sua feiras agropastoris, mas atrasados em equipamentos culturais. Estes eventos nos tratam como turistas em nossas próprias cidades. A cultura tem que possibilitar uma convivência por si mesma, não como atração alegórica de uma feira de agronegócio. Lembramos aqui a preocupação recorrente do conselheiro Antônio Carlos Côrtes de que devemos ser críticos em nossos pareceres. Para que haja esta crítica, há que formar críticos, pois é preciso criticar, mas com inteligência. Porém, a crítica enquanto arte é uma habilidade que este projeto não fomenta. Sendo que a arte é a parte mais radical da cultura. A arte é aquilo que você não precisa e só sabe o que é quando você sente que precisa. Contudo, temos que seguir buscando o que há de melhor em nossa tradição. Neste caso, a brasileira, e não a italiana. Onde está o caboclo que deu origem ao nome da cidade na programação cultural do evento? A elevação da liberdade de um povo, da democracia, acontece por desenvolvimento do seu próprio nível cultural. Num nível cultural desenvolvido, todos gostam de muitas coisas diferentes; num nível cultural subdesenvolvido, temos um gosto comum a todos. É fato que muitos gaúchos têm um pé na Europa e outro no galpão crioulo. Isto fez nascer uma sociedade que reflete a articulação entre a tradição e o novo. Porém, muitas vezes os olhos desta população que descende dos imigrantes estão tão imersos no imaginário do velho mundo, que perdem de vista o horizonte deste novo mundo, abrindo mão mutuamente do espírito desbravador dos navegadores e livre dos índios, reproduzindo um conservadorismo rural similar àquele da idade média, fechando-se às novas ideias sopradas de fora. Incapaz de criar espaços simbólicos, como teatros, museus, orquestras, bibliotecas, que constituíram a autonomia das cidades-estados na antiguidade e das capitais na contemporaneidade. Precisamos de iniciativas culturais que promovam o amadurecimento estético, logístico e político da cultura, bem como o fortalecimento de suas instituições, eventos e pessoas contribuindo para a profissionalização, expansão e projeção do cenário local. Não faremos isto montando lonas na praça ad eternum, dedicando apenas uma “parte” para a cultura. Precisamos ter sensibilidade para valorizar o novo, percebendo que o RS não pensa só a cultura a partir de suas raízes, mas sob um viés mais cosmopolita, com as antenas. O sotaque italiano ou gaúcho não deve ser a condição sine qua non da produção cultural e da criação artística, mas algo intrínseco que se revele a posteriori.
3. Em conclusão, o projeto “Roda Cultura – 1ª Edição - 2018” não é recomendado para participar da Avaliação Coletiva do Sistema LIC.
Porto Alegre, 22 de janeiro de 2018.
André Venzon
Conselheiro Relator
Informe:
O prazo para recurso somente começará a fluir após a publicação no Diário Oficial.
O Presidente, nos termos do Regimento Interno, somente votará em caso de empate.
Sessão das 13h30min do dia 23 de janeiro de 2018.
Presentes: 17 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: José Mariano Bersch, Plínio José Borges Mósca, Antônio Carlos Côrtes, Dael Luis Prestes Rodrigues, Maria Silveira Marques, Luiz Carlos Sadowski da Silva, Luciano Fernandes, Claudio Trarbach e Dalila Adriana da Costa Lopes.
Não Acompanharam o Relator os Conselheiros: Ruben Francisco Oliveira, Paulo César Campos de Campos e Erika Hanssen Madaleno.
Abstenções: Gilberto Herschdorfer, Élvio Pereira Vargas e Marlise Nedel Machado.
Marco Aurélio Alves
Conselheiro Presidente do CEC/RS
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