Processo nº 18/1100-0002039-9
Parecer nº 485/2018 CEC/RS
O projeto CASARÃO AMÁLIA NOLL - FASE 1 é recomendado para a avaliação coletiva.
1. O projeto Casarão Amália Noll - Fase 1 foi cadastrado eletronicamente em 07 de setembro de 2018 e habilitado pelo SAT/SEDACTEL em 30 de outubro de 2018, sendo posteriormente encaminhado ao CEC e distribuído a este Conselheiro em 19 de novembro de 2018. Com fins de melhor subsidiar a avaliação, foi enviada diligência em 30/11, respondida pelo proponente em 14 de novembro. O projeto insere-se na área Restauro de Bem Tombado, e a edificação fica situada na cidade de Feliz (RS), situada na microrregião de Montenegro, com número de habitantes estimado em 13,451 (estimativa IBGE/2018).
A proponente é a Carmen Langaro & CIA. LTDA., cujo responsável legal é Carmen Silvia Langaro, e a contadora responsável é Daniella Finco. A equipe principal conta ainda com Juliana Betemps Vaz da Silva ME e Cristiane Rauber, como arquitetas responsáveis pelos projetos arquitetônicos e complementares e execução, e LMC Construtora LTDA., como empresa responsável pelas obras de restauro e construção.
Do projeto
O projeto trata da primeira fase de restauração do Casarão Amália Noll, prédio tombado pelo município de Feliz. O ambiente interno será utilizado para exposições e outros eventos artístico-culturais da cidade. As fases seguintes preveem cinema comunitário, salas multiuso e sede de instituições artísticas e culturais da municipalidade.
Entre os objetivos específicos do projeto estão realizar intervenções arquitetônicas e complementares de restauro e reabilitação do primeiro bloco do Casarão; requalificar o patrimônio histórico para utilização como centro de eventos culturais; proporcionar um equipamento cultural de cunho histórico, artístico e arquitetônico à população; mobilizar a comunidade para a importância social e econômica da preservação do patrimônio cultural da região; ensejar o posterior restauro e requalificação dos outros dois blocos do imóvel tombado; fomentar o turismo baseado na visitação a equipamentos do patrimônio; mobilizar pessoas e instituições públicas e privadas da região para a oficina de planejamento e restauro de patrimônio histórico.
O total dos custos orçamentários é de R$ 1.066.539,21, sendo R$ 109.446,86 de verbas originárias de prefeituras e R$ 957.092,35 solicitados ao Sistema Pró- Cultura RS LIC. O projeto anexa uma carta de intenção de patrocínio da empresa Malharia Anselmi.
Das Justificativas
Quanto à dimensão simbólica, aborda-se o valor cultural do prédio, um dos mais antigos da cidade, construído no final do século XIX por Jacob Ruschel. Além de residência, o complexo funcionou como entreposto comercial, salão de baile e cinema. Aborda-se os itinerários históricos integrados pela estrada e sua situação na interface entre territórios de presença alemã e italiana, citando-se o potencial da preservação integrada dos elementos paisagísticos da antiga Estrada Rio Branco (vale, montanhas e campos de cima da serra). Por fim, citam-se qualidades e índices da cidade de Feliz, declarando-se que o projeto é determinante para a consolidação do potencial turístico-cultural local.
No que tange à dimensão econômica, destaca-se que esta ação representará um marco na política e nas práticas de defesa do patrimônio cultural que se pretende consolidar no município, abrindo perspectivas para um plano integrado de preservação. Reforça a relação entre o imóvel e a tradição cervejeira de Feliz, iniciada por João Ruschel nas cercanias, bem como a proximidade com a Ponte de Ferro centenária. Afirma, ainda, que o equipamento histórico tombado e restaurado se integrará ao conjunto das ações culturais voltadas aos habitantes e turistas, tornando-se mais uma fonte de emprego e renda para a população e de arrecadação de impostos para o município. Reforça que o projeto está em consonância com o Programa de Infraestrutura Turística, que visa o desenvolvimento do turismo nos municípios brasileiros. A justificativa da dimensão cidadã destaca que por ser um equipamento público, o Casarão Amália Noll terá acesso público e gratuito. Informa respeito às medidas de acessibilidades determinadas pela legislação.
O projeto técnico de restauração foi complementado após pedido de diligência e atende ao exposto no roteiro para projetos de Restauro do IPHAE/RS. Apresenta condições de acessibilidade de acordo com as normas técnicas, mediante a declaração por parte do responsável técnico no ato de preenchimento do RRT – Registro de Responsabilidade Técnica. Foi prevista a contratação de PPCI (Plano de Prevenção Contra Incêndio) no escopo do projeto. O processo não está instruído com medidas para minimizar o impacto ambiental produzido pelas obras.
É o relatório.
2. A ocupação do território do Estado do Rio Grande do Sul foi marcado pelo processo de colonização de diversas etnias, iniciando com a imigração alemã a partir de 1824 em São Leopoldo. Embora este processo tenha marcado de forma indelével a paisagem e a cultura gaúcha, o patrimônio cultural relativo às imigrações ainda encontra-se marginalizado e carece do devido reconhecimento.
A última grande ação no sentido de valorizar esse patrimônio em nosso Estado se deu no âmbito do MEC/SPHAN/Fundação Nacional Pró Memória, em parceria com a SURBAM, o IGTF - Instituto Gaúcho de Folclore e Tradição e as Prefeituras locais, na realização do amplo levantamento denominado "Preservação e Valorização da Paisagem Urbana em Núcleos de Imigração Alemã e Italiana no RS". Cito, aqui, por ter sido Feliz um dos 17 municípios de imigração alemã contemplados no projeto, integrando o Casarão Amália Noll o rol do levantamento, que pode vir a ser resgatado para subsidiar o memorial no local. Também cumpre lamentar a falta de visão integrada que faz com que, desde a década de 1980, não tenham sido realizados no Estado novos projetos desta amplitude. Como contraponto, cite-se que no Estado de Santa Catarina, o IPHAN foi responsável pelo projeto “Roteiros Nacionais de Imigração” contabilizando dezenas de tombamentos, restaurações e ações regionais conjuntas.
Ajudam precariamente a preterir o completo desaparecimento deste riquíssimo acervo patrimonial em nosso meio apenas algumas ações, tombamentos e inventários pontuais, em âmbito local, que normalmente são motivados por mobilização da sociedade civil ou de agentes públicos esclarecidos. A situação do patrimônio arquitetônico de imigração alemã – ainda tão pouco estudado, salvo o extenso e fundamental trabalho do Arq. Gunter Weimer – é análogo à situação física do Casarão Amália Noll, em que o abandono e arruinamento materializam na paisagem a obsolescência a que foi relegada simbolicamente a cultura de uma das etnias formadoras da sociedade brasileira. Não obstante, a mesma cultura é lembrada e distorcida através de construções fajutas em falso enxaimel, em que se transforma a cultura construtiva popular em caricatura marqueteira, a ser reproduzida incansavelmente e consumida por turistas desavisados. Lowenthal afirma que a réplica é preferida por subjugar o original, “domesticando o passado” que nos ameaça com sua poderosa realidade. A réplica nos satisfaz, pois podemos possuir, colonizar, reordenar, encontrar o gozo e finalmente confrontar e destruir (LOWENTHAL, 2015, p. 463). Já a autenticidade da obra arquitetônica nos desafia, permite leituras críticas, bem como, no caso em tela, ajuda a elucidar a simplicidade de um passado muito pouco glamourizado, em que a cultura foi chave para a sobrevivência.
Neste contexto difícil para a preservação do patrimônio, é digno de reconhecimento e valorização a iniciativa do município de Feliz, que procede o tombamento municipal de um bem cujos valores vão muito além de suas limitações territoriais, bem como a iniciativa do grupo de agentes que tem trabalhado e se mobilizado para tornar viável a preservação do patrimônio cultural regional. Acreditamos que, como declara Hughes de Varine, o patrimônio seja a “raiz” do desenvolvimento, que se torna inviável sem o devido cuidado a esta base viva e fértil e por esse motivo saudamos a iniciativa de buscar a recuperação do conjunto arquitetônico em tela.
Quanto à paisagem e ao entorno
Este conselheiro destaca a sensibilidade do proponente e da equipe técnica, visível através da presença constante da leitura de entorno e dos itinerários culturais ao longo do projeto. Esse entendimento do contexto do objeto arquitetônico em suas relações com uma rede de significados que se distribui pelo território demonstra o entendimento de uma noção atualizada de patrimônio cultural. Entende este conselheiro que, como afirma o arqueólogo Christopher Tilley, “a importância e o significado de um lugar só pode ser apreciado como parte do movimento de e para ele em relação aos outros”, e que os lugares são sempre "lidos" ou entendidos em relação a outros (TILLEY, 1994, p. 27-31). A valorização no contexto da Estrada Rio Branco permite uma leitura dos amplos valores simbólicos do patrimônio, uma vez que a estrada, para Eric Dardel, é a “tradução topográfica da mobilidade humana”, e através dela que o homem “se expressa espacialmente como construtor de espaços” (DARDEL, 2013, p. 47). O entendimento do contexto territorial do bem arquitetônico demonstra capacidade de análise crítica do proponente e da equipe técnica.
Quanto ao Projeto de Restauro
Na diligência enviada no dia 29/11, solicitou-se a anexação das pranchas de “Levantamento Cadastral” com resolução adequada, uma vez que estavam ilegíveis; ponto que foi atendido. Com base no Roteiro para Projetos de Restauro do IPHAE-RS, solicitou-se anexação do Diagnóstico (Mapeamento de Danos: representação gráfica do levantamento de todos os danos existentes e identificados no bem, relacionando-os a seus agentes e causas; subsidiado de levantamento fotográfico dos danos), ponto que foi parcialmente atendido. Ainda com base no referido roteiro, solicitou-se anexação do Levantamento de esquadrias, bem como do Memorial Descritivo, detalhando materiais e técnicas utilizados para resolução dos danos mapeados e execução da proposta, pontos que foram devidamente atendidos. Solicitou-se que a análise arquitetônica fosse retificada, uma vez que vinha assinada pela produtora cultural, devendo constar análise assinada por um responsável técnico, por tratar-se de atribuição privativa do profissional arquiteto e urbanista. Foi atendido com a anexação de um novo documento, inclusive ampliado.
As sugestões de melhor detalhamento do Plano de Sustentabilidade e do Plano de uso do espaço também foram acatadas pelo proponente, que anexou ambos os documentos preenchidos de forma satisfatória, indicando a viabilidade da conservação do prédio após as obras de recuperação. Ainda em diligência, solicitou-se a anexação do programa da Oficina de Planejamento e Restauro de Patrimônio Histórico, o que foi procedido. Registre-se que no entendimento deste conselheiro a oficina anexada não consiste, stricto sensu, em uma oficina de educação patrimonial por faltar-lhe base conceitual pedagógica e a recomendação ao proponente pela valorização do papel do profissional historiador em projetos de restauração e conservação e nas oficinas de educação patrimonial. Não obstante, registre-se também a conduta qualificada do proponente ao responder de forma satisfatória a todos os itens solicitados em diligência, demonstrando domínio e seriedade em relação ao projeto. Com base em todo o material anexado após a diligência, é possível afirmar que foram cumpridos os requisitos técnicos que comprovam ampla investigação conceitual e técnica acerca da edificação, base para um projeto de restauro.
Do Impacto Ambiental, Acessibilidade e Plano de Prevenção Contra Incêndio
Deverá ser apresentado na prestação de contas o relatório das medidas tomadas para redução do impacto ambiental (destinação dos resíduos da obra), o Alvará de Prevenção contra Incêndios e o registro fotográfico das medidas tomadas para garantir acessibilidade para pessoas com deficiência, idosos e com mobilidade reduzida.
Glosas
Visando ajustar o projeto para atendimento do critério de “oportunidade”, aplicar-se-á sobre os itens 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 3.1, 3.2 e 3.3 uma glosa de 25%, com vistas a aproximar aos valores praticados no mercado e em outros projetos correlatos. Faz-se, ainda, glosa total do item 3.4 - Prestação de Contas, cuja exclusão já havia sido solicitada pelo SAT, porém permaneceu no sistema. Totalizando, assim, uma glosa de R$ 67.400,00.
3. Em conclusão, o projeto Casarão Amália Noll - Fase 1 é recomendado para a avaliação coletiva, em razão de seu mérito cultural – relevância e oportunidade – podendo vir a receber incentivos até o valor de R$ 889.692,35 (oitocentos e oitenta e nove mil, seiscentos e noventa e dois reais e trinta e cinco centavos) do Sistema Estadual Unificado de Apoio e Fomento às Atividades Culturais – Pró-Cultura RS.
Porto Alegre, 20 de dezembro de 2018, ano do cinquentenário do Conselho Estadual de Cultura.
Jorge Luís Stocker Júnior
Conselheiro Relator
Informe:
O prazo para recurso somente começará a fluir após a publicação no Diário Oficial.
O Presidente, nos termos do Regimento Interno, somente votará em caso de empate.
A liberação dos recursos solicitados em incentivos fiscais está condicionada à comprovação junto ao gestor do sistema do rígido cumprimento das normas de prevenção a incêndios no(s) local(is) em que o evento for realizado.
Sessão das 13h30min do dia 20 de dezembro de 2018.
Presentes: 18 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: Ivo Benfatto, Paula Simon Ribeiro, Gisele Pereira Meyer, José Édil de Lima Alves, Antônio Carlos Côrtes, Paulo Cesar Campos de Campos, Luis Antonio Martins Pereira, Gilberto Herschdorfer, Moreno Brasil Barrios, Marlise Nedel Machado, Marcelo Restori da Cunha, Claudio Trarbach, Dalila Adriana da Costa Lopes e José Airton Machado Ortiz.
Ausentes no Momento da Votação: André Venzon e Maria Silveira Marques.
Em razão do Of. Nº 182/2015 da SEDAC, os projetos recomendados por este Conselho foram submetidos à Avaliação Coletiva da Sessão Plenária Ordinária do dia 21/12/2018 e considerados prioritários.
Marco Aurélio Alves
Conselheiro Presidente do CEC/RS
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