Processo nº 19/1100-0000421-6
Parecer nº 178/2019 CEC/RS
O projeto “RESTAURAÇÃO DA CASA DO CHEFE DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA” não é recomendado para avaliação coletiva.
1. O projeto Restauração da Casa do Chefe da Estação Ferroviária foi cadastrado eletronicamente em 08 de novembro de 2018 e habilitado pelo SAT/SEDACTEL em 13 de março de 2018; sendo no mesmo dia encaminhado ao CEC. Este conselheiro diligenciou o proponente no dia 19 de março, tendo recebido resposta no dia 11 de abril. O projeto insere-se na área Restauro de Bem Tombado. O prédio em questão fica situado na cidade de Montenegro (RS), na região metropolitana de Porto Alegre, com número de habitantes estimado em 64.788 (IBGE/2018).
O proponente é a Entidade de Filantropia, Cultura e Arte - EFICA, cujo responsável legal é Clarice Olandia Biehl. O contador responsável é Jorge Fernando Câmara Ferla e a equipe principal conta ainda com HP Engenharia e Construções Ltda., Construtora; Hannelore Roeben Tessmer, arquiteta responsável, e a Prefeitura Municipal de Montenegro na função de coprodução cultural, representada por Carlos Eduardo Muller. Projeto análogo foi aprovado no ano de 2017, e já se encontra arquivado, tendo sido nesta oportunidade submetido novamente ao sistema.
O projeto trata da restauração da casa do Chefe da Estação (155 m²), parte do complexo da Antiga Estação Férrea de Montenegro, transformando a casa em salas para eventos e reuniões, contendo sanitários voltados para o exterior para atendimento do público visitante. A referida residência está em mau estado de conservação por ter ficado vários anos abandonada após a saída do último morador, mas ainda mantém suas características. O projeto de restauro visa integrá-la ao conjunto da Estação, dando novo uso ao prédio. Também está prevista a instalação de módulos fotovoltaicos de geração da energia elétrica com sistema solar, gerando uma economia de 98% nos custos de contas de energia elétrica.
Quanto à dimensão simbólica, o proponente relembra a trajetória comunitária de preservação do patrimônio férreo, com a criação do projeto Estação da Cultura, ressaltando que a área de cerca de 45 mil metros quadrados se tornou um dos principais pontos de reunião e encontros para eventos voltados para arte e também usada para caminhadas e área de lazer para crianças.
No que tange à dimensão econômica, o proponente lista uma série de eventos e projetos que visam propiciar a sustentabilidade do complexo, como o Brique na Estação e o Natal na Estação. Quanto à dimensão cidadã, o proponente afirma que as atividades da antiga estação são voltadas para a comunidade local, de forma gratuita e inclusiva.
O valor total do projeto é de R$ 760.529,78.
Financiamento LIC RS: R$ 760.529,78.
É o relatório.
2. A trajetória de recuperação do sítio ferroviário em Montenegro é amplamente conhecida e certamente faz parte da história dos processos comunitários de patrimonialização no Estado. A transformação de um complexo arquitetônico abandonado na Estação da Cultura é paradigmático das possibilidades de reuso do acervo ferroviário. A rede ferroviária estruturou a evolução urbana de inúmeros municípios gaúchos, e sua desativação legou um patrimônio fadado ao abandono dentro dos centros urbanos. Espaços em que o arruinamento e as dificuldades tencionam com as memórias e afetos das comunidades.
Cabe a este Conselho a análise de mérito dos projetos culturais submetidos ao Sistema Pró- Cultura RS LIC, com fins de autorizar o patrocínio por renúncia fiscal. A proposta de recuperação do patrimônio cultural arquitetônico, per se, sempre tem “mérito cultural” intrínseco. Entretanto, no nosso entendimento e dentro do panorama histórico deste Conselho, é necessário que se entenda a complexidade das obras de Conservação e Restauro, cabendo avaliar o mérito cultural, nos quesitos relevância e oportunidade, da proposta de conservação e restauro específica que é submetida ao Sistema.
Uma obra de restauração opera justamente sobre os valores “simbólicos” que ajudam a fundamentar o mérito nas justificativas do projeto cultural. Trata-se de uma operação delicada sobre bens arquitetônicos de grande significado para suas comunidades, demandando, portanto, projetos cuidadosos, completos e detalhados. O campo da Conservação e Restauro constitui-se em área do conhecimento com ampla tradição, preceitos teóricos e conceituais, além de conhecimentos específicos a respeito de materiais e técnicas construtivas. Como uma orientação geral, o IPHAE/RS dispõe de um “Roteiro para Projetos de Restauro”. Este não trata de uma listagem burocrática para preenchimento por parte dos responsáveis técnicos pelos projetos, mas de um verdadeiro roteiro que garante que a proposta traga todos os subsídios técnicos e conceituais necessários para que uma obra seja considerada um “restauro”. Pela pertinência, transcrevemos ipsis literis:
“Roteiro para Projeto de Restauração – IPHAE/RS
1.Levantamento Cadastral: O levantamento cadastral deve trazer todos os elementos necessários para a perfeita compreensão do edifício. Deverá compreender os seguintes elementos:
1.1.Planta de situação e localização; 1.2.Plantas baixas de todos os pavimentos, inclusive de cobertura, com medidas em séries e totais, tanto interna quanto externamente, diagonais das peças, espessura das paredes e níveis. Indicação do piso, forro e materiais construtivos (pode ser por convenção); 1.3.Fachadas com a representação de todos os seus elemento; 1.4.Cortes em número necessário para o perfeito entendimento do monumento, com cotas de pé-direito, níveis e dimensionamento da cobertura; 1.5.Detalhes, elevações e cortes de esquadrias e outros elementos que sejam importantes ao monumento; 1.6.Documentação fotográfica, preferencialmente em preto e branco registrando o monumento e o conjunto em que se insere a edificação e interna e externamente, com a indicação em planta do ângulo da fotografia; 1.7. Pesquisa histórica com descrição, dados e informações sobre a construção e evolução do monumento, com as modificações ou acréscimos sofridos. Devem também ser identificadas as funções primitivas e posteriores até os dias atuais; 1.8.Descrição e análise arquitetônica, descrição das características da edificação: composição, tipologia, estilo ou influência artística, bem como a relação do edifício com o seu entorno.
2.Diagnóstico: De posse destes elementos, a segunda fase é o diagnóstico, que tem por objetivo avaliar o comportamento estrutural e de estado geral do monumento. Nesta fase deverão ser representados em plantas baixas, cortes, fachadas e croquis todas as lesões que o edifício apresenta por convenções indicadas, com o dimensionamento e observações sobre as causas, incluindo: trincas, rebocos desprendidos, infiltrações, deterioração e falta de peças, esquadrias e elementos decorativos ou artísticos a restaurar, danos estruturais por supressão de elementos ou recalques diferenciais, etc. As lesões deverão ser documentadas também por levantamento fotográfico sempre que possível. Se possível, deverá ser feita uma planta com a evolução física da edificação.
3.Projeto de Restauração: Proposta para intervenções a serem executadas com todos os elementos e informações necessárias para a compreensão do projeto: plantas baixas com indicação de manutenção, retirada ou introdução de elementos, cortes, fachadas, detalhes, memoriais descritivos e orçamentos conforme normas técnicas.
Obs.: Para o projeto também é necessário orçamento discriminado (NB-140) e cronograma físico-financeiro, além de prever um programa de sustentabilidade para o(s) prédio(s).”
Este Roteiro, também reconhecido pelo CEC-RS em sua Resolução 02/2019, constitui-se excelente referência para a organização metodológica de um projeto de restauro, e também para proceder a sua avaliação.
A avaliação do mérito cultural dos projetos de restauro de forma aprofundada, além da análise da mera proposta de restaurar um bem arquitetônico, é uma tradição histórica deste Conselho. Vejamos, por exemplo, o legado deixado pelo conselheiro arquiteto Maturino Salvador que, em seu Parecer nº 141/2012, consolidou de forma satisfatória as exigências que são posicionamento recorrente deste Conselho:
Primeiramente, para a elaboração de um projeto de restauração, realiza-se um levantamento arquitetônico minucioso sobre o qual será desenvolvida proposta. Sobre esta documentação gráfica, elabora-se as plantas que apontam os problemas detectados e que servirão posteriormente para definir as funções pertinentes a cada espaço e para quantificar os itens relacionados a eles. Paralelamente pesquisa-se em fontes primárias e secundárias os dados históricos do imóvel, estuda-se sua tipologia arquitetônica e realiza-se um levantamento fotográfico minucioso para fundamentar o diagnóstico a ser realizado. Sobre estes documentos básicos é que se faz o diagnóstico que fundamentará o conceito da intervenção a ser realizada. Explicitada a base conceitual, elabora-se então o projeto de restauração e apresenta-se a estratégia a ser seguida, incluindo o memorial descritivo e a compatibilização dos projetos complementares.
Tendo em vista o exposto acima, acreditamos estar elucidada a necessidade de análise rigorosa das propostas de restauro apresentadas, pois afetam o entendimento de seu mérito cultural. Ao verificar que o projeto submetido não atendia a estes critérios, mesmo após análise e diligência realizada pelo SAT, a pedido do IPHAE/RS, e visando proporcionar a oportunidade ao proponente de retificar o projeto, este conselheiro diligenciou no sentido da apresentação do material, reproduzindo o Roteiro de Projetos do IPHAE/RS.
Frente à documentação aportada após a diligência, procedemos a sua análise:
I - Conhecimento do bem
Não foi apresentado estudo de conhecimento do bem em questão. O material apresentado consiste em uma cronologia simplificada do processo de recuperação da Antiga Estação Férrea, que não obstante já fosse insuficiente para o conhecimento específico do prédio da Estação, não contextualiza a Casa do Chefe da Estação Ferroviária, que é o bem específico demandado no projeto em questão.
Um projeto de restauro não consiste em uma reforma em uma edificação antiga e em mal estado, mas em um delicado processo técnico e conceitual que também opera sobre os valores imateriais atribuídos ao prédio. Como proceder a uma operação tão delicada sem o conhecimento específico do bem?
Entendemos a restauração como um processo em que devem ser evitadas perdas de representatividade simbólica (MUÑOZ VINÃS, 2013). Não verificamos em todos os documentos anexos ao processo, que tenha havido uma profunda pesquisa histórica para entendimento do imóvel em questão, procedida de forma conjunta por historiador e arquiteto e urbanista, estabelecendo todos os seus valores e significados, entendendo todas as suas fases.
O estudo de conhecimento – que consiste na análise histórica e de evolução do bem e de seu entorno ao longo do tempo – visa subsidiar a proposta de restauro. Qual a tipologia arquitetônica, qual o estilo e o que significam no contexto nacional, estadual e local? O que irá se preservar? O que merece ser destacado? O que, eventualmente, prejudicou valores culturais e será removido? Trata-se de etapa base para o projeto de restauro, e sem esta etapa básica, assim não pode ser considerado.
II - Diagnóstico
O processo não contempla a etapa de Diagnóstico, mesmo após diligências. Na documentação originalmente constante ao processo, verificava-se apenas a existência de duas plantas de levantamento, com inserções fotográficas, dos forros e pisos, que foi reproduzida após a diligência. A resposta do proponente trouxe algumas considerações atualizadas sobre o estado de conservação do imóvel. O material é insuficiente, pois não analisa os danos da edificação com representação gráfica adequada e interpretação descritiva das causas.
No caso das esquadrias, alvo de diligência anterior também do SAT/IPHAE, foi realizado o levantamento de uma “esquadria padrão”, o que é reforçado pelo proponente em sua resposta. Temos neste ponto, novamente, um afastamento do entendimento de “restauro” – como restaurar o que não se analisou e conheceu com profundidade? O levantamento de todas as esquadrias existentes (verificáveis nas fotografias anexas) deve ser realizado individualmente, verificando a existência ou não de danos em cada uma delas e assim, selecionando quais partes ou esquadrias terão de fato que ser substituídas, e quais poderiam ser restauradas. A simples indicação de substituição de todas as esquadrias por um padrão considerado reproduzível em todos os vãos não condiz com uma proposta de restauro.
Além dos critérios de ordem conceitual, é importante destacar que a ausência destes levantamentos implica na impossibilidade técnica de auferir valores, uma vez que entre restaurar, conservar ou fazer uma nova esquadria, as diferenças de valor são consideráveis.
III – Projeto de Restauração
As considerações já realizadas em relação às etapas anteriores afastam a proposta em tela do entendimento enquanto um projeto de restauro. O material apresentado trata de uma reabilitação de uso em um imóvel histórico (vulgarmente denominado “reforma”), o que seria de excelente alvitre não fosse o caso de uma proposta em sítio tombado pelo Estado, no âmbito da solicitação de aprovação na categoria “Projeto de Restauro”, demandada ao Sistema Pró-Cultura RS LIC.
Entendemos a relevância do complexo Estação da Cultura de Montenegro, não apenas para o município, mas para todo o estado. Acreditamos no potencial de organização e mobilização desta comunidade que já viabilizou as etapas anteriores, com destaque ao criterioso e rigoroso restauro da Antiga Estação Férrea. Por este motivo, confiamos que a proposta venha ser corrigida e complementada, e novamente submetida à apreciação do Sistema Pró-Cultura RS LIC. Recomendamos, como já intentado na diligência, que a organização dos dados e da proposta seja realizada tendo em base o Roteiro para Projetos de Restauração do IPHAE/RS.
3. Em conclusão, o projeto Restauração da Casa do Chefe da Estação Ferroviária não é recomendado para a avaliação coletiva.
Porto Alegre, 09 de maio de 2019.
Jorge Luís Stocker Júnior
Conselheiro Relator
Informe:
O prazo para recurso somente começará a fluir após a publicação no Diário Oficial.
O Presidente, nos termos do Regimento Interno, somente votará em caso de empate.
Sessão das 13h30min do dia 10 de maio 2019.
Presentes: 16 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: Ivo Benfatto, Gisele Pereira Meyer, Plínio José Borges Mósca, José Édil de Lima Alves, Antônio Carlos Côrtes, Sandra Helena Figueiredo Maciel, Paulo Cesar Campos de Campos, Luis Antonio Martins Pereira, Liana Yara Richter, Jorge Luís Stocker Júnior, Moreno Brasil Barrios, Marlise Nedel Machado, Marcelo Restori da Cunha e José Airton Machado Ortiz.
Não Acompanharam o Relator os Conselheiros: Dalila Adriana da Costa Lopes.
Marco Aurélio Alves
Presidente do CEC/RS
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