O projeto “ABRAM ALAS PARA CHIQUINHA – 1ª EDIÇÃO” é recomendado para a Avaliação Coletiva.
1. O projeto Abram Alas para Chiquinha, em sua 1ª edição, tem como produtor cultural VS Cultura e Comunicação Ltda, empresa responsável pela produção executiva. Integram ainda a equipe principal Caio Amon, a cargo da direção audiovisual do espetáculo e concepção cênica, Olinda Alessandrini, cujas funções destacadas são as de pianista, responsável pelo argumento, pesquisa e roteiro final da apresentação, e Paula Cintia de Werk, que será a contadora.
A proposta em tela trata da montagem e circulação de um espetáculo solo da pianista Olinda Alessandrini em que a artista realiza uma performance músico-teatral e interpreta a obra e a própria compositora Chiquinha Gonzaga, fazendo um resgate de suas composições e sua trajetória profissional e pessoal. Durante o espetáculo, são apresentadas cerca de vinte músicas em que predominam os ritmos populares de tradição africana, além de valsas, polcas, música de salão e também músicas das operetas criadas pela primeira mulher compositora do Brasil. Nessa performance, a pianista interage com projeções de vídeo que remetem o público ao universo de Chiquinha, seus (des)amores, suas lutas e conquistas, e ao Rio de Janeiro do final do século XIX e início do século XX. Segundo o que consta no projeto, a concepção deste espetáculo nasceu de algumas apresentações que foram realizadas no Studio Clio, em Porto Alegre, e na Fundarte, em Montenegro, a partir de um CD gravado pela pianista Olinda Alessandrini no ano de 2014 e que buscou resgatar a obra de Chiquinha Gonzaga.
O projeto prevê um total de 8 apresentações, passando pelas cidades de Pelotas, Bagé, Montenegro, Porto Alegre, Novo Hamburgo, Erechim, Santa Maria e Caxias. Nas cidades de Porto Alegre e Bagé, estão também previstas 2 oficinas, uma em cada cidade, ministradas pela própria Olinda Alessandrini. Com carga horária de 1 hora e 10 minutos e 50 vagas para participantes em cada oficina, o tema proposto é África - Brasil: um encontro musical. Os objetivos para as oficinas, dispostos nos anexos deste projeto, são dois, a saber: apresentar a influência que os diferentes ritmos presentes no Brasil do século XIX tiveram na formação da identidade musical brasileira surgida no início do século XX; demonstrar, na prática, as combinações rítmicas que geraram os diferentes gêneros musicais que surgiram no Brasil da época. Na metodologia do plano pedagógico, o proponente assim nos informa:
A pianista Olinda Allessandrini apresentará um estudo sobre a influência dos ritmos africanos, oriundos de rituais religiosos e das danças, que se mesclam às tendências musicais europeias, e que irão dar um caráter único e peculiar à música brasileira. Esta oficina apoia-se em uma realidade dolorosa para o Brasil, a escravidão, suas consequências na sociedade do séc. XIX, a luta pela abolição e pela liberdade. Também aborda a instituição da República, pontuando com exemplos musicais as transformações culturais. A riqueza dos ritmos de origem africana é que dá ao Brasil sua personalidade musical, e a pianista pontua com exemplos de diferentes combinações rítmicas e seus resultados, maxixe, cateretê, habanera, samba, e várias danças rituais, que definem e a criação musical brasileira ao longo do séc. XX. O público é chamado a participar ativamente das demonstrações com acompanhamento do piano.
O período previsto para a e realização do projeto é de 11 de março a 6 de outubro de 2018. Todas as atividades elencadas são abertas e gratuitas ao público em geral, não havendo cobranças de ingressos. O valor solicitado ao sistema LIC/RS, totalmente habilitado pelo SAT, é de R$ 193.220,00, não havendo qualquer outra fonte financiadora para o projeto.
É o relatório.
2. Sobre a relevância do projeto em tela, não parece pairar qualquer dúvida. A importância de Chiquinha Gonzaga para a música brasileira é absolutamente inquestionável, de forma que sequer é necessário utilizar linhas neste parecer para justificá-la. A pianista Olinda Alessandrini, por sua vez, possui imenso reconhecimento em sua área de atuação. Seu currículo artístico acumula diversos prêmios, sendo que, para efeito deste parecer, citam-se somente alguns, a saber: 1º prêmio no Concurso Nacional de Piano Lorenzo Fernandez (RJ); 1º prêmio no Concurso Nacional de Piano da Universidade Católica de Salvador (BA), onde recebeu o prêmio especial de melhor intérprete de Liszt; e Prêmio Açorianos de música, com o qual já foi agraciada 3 vezes. A artista possui CDs inteiramente dedicados a obras de Villa-Lobos, Radamés Gnattali e Araújo Vianna, além dos CDs Panorama Brasileiro, Valsas, pamPiano, Ébano e Marfim, e Um piano na Esquina, com obras de diversos compositores. Participou também de vários CDs como pianista convidada. Em um deles está registrada a gravação, ao vivo, do concerto de 24 de março de 1999, na Filarmonia de Berlim, como solista com a Orquestra Sinfônica Jovem de Charlottenburg. Também participa do CD da Orquestra de Câmara Sesi-Fundarte, como solista na obra Las Cuatro Estaciones Porteñas, de Astor Piazzola. Realizou diversas tournées pela Alemanha, com recitais em Stuttgart, Colônia, Berlim, Bonn e Hamburgo, entre outras cidades. Na Áustria, realizou recitais em Viena e em Salzburg. Também se apresentou na Itália e em diversas cidades nos Estados Unidos. Além de seus concertos, Olinda Alessandrini ministrou diversas palestras ilustradas sobre Villa-Lobos na Alemanha, Noruega e em vários países da América Latina. O currículo da musicista é muitíssimo extenso, de forma que, para fins deste parecer, listou-se apenas uma parte do mesmo, que já justifica sua participação num projeto como este.
Estando a relevância da montagem do espetáculo proposto plenamente justificada, no entender desta conselheira, passa-se agora para uma análise acerca das oficinas. Primeiramente, entende-se que a necessidade de uma oficina é mandatória em função do que estabelece a instrução normativa vigente e que talvez não constasse na ideia inicial deste projeto. No entanto, é preciso deixar claro que aquilo que o proponente nos oferece não é uma oficina, independente da forma como pretende chamar a atividade. Caso não seja conhecimento do proponente, a característica essencial de qualquer oficina é que aos oficinandos sejam propostas atividades práticas no sentido de que, ao final da carga horária prevista, estes possam ter desenvolvido ou aprimorado uma ou mais habilidades, a tal ponto de se possa medir o que foi aprendido através de uma avaliação, se necessário for. Para tanto, costumam-se inclusive aplicar pré-testes e pós-testes. Além disso, para uma supervisão responsável das atividades propostas, o número de oficinandos não deve ultrapassar a razoabilidade para que o oficineiro tenha condições de supervisionar e acompanhar os processos individuais de cada um. Os próprios objetivos elencados no que o proponente chama de plano pedagógico deixam claro que não se pretende desenvolver ou aprimorar qualquer habilidade. Na verdade, seria surpreendente se pessoas leigas (a proposta é aberta ao público em geral) pudessem demonstrar a aprendizagem de conteúdos complexos em apenas 70 minutos. A proposta que este projeto nos apresenta é, na verdade, o que se costuma chamar de palestra-show, neste caso com participação da plateia. Além disso, ressalta-se que, mesmo para uma palestra, dificilmente a ministrante conseguirá apresentar, ainda que de forma tangencial, todo o conteúdo a que se propõe. No entanto, ainda que seja uma atividade bastante superficial, a ideia não é ruim, já que os participantes terão acesso a um breve e rápido passeio histórico pontuado por amostras rítmicas ilustrativas de forma lúdica e participativa. De uma forma ou de outra, parece que haverá um aproveitamento cultural.
Quanto à planilha orçamentária, esta conselheira faz somente uma glosa pontual e integral no item 1.9, que se refere à pesquisa de imagens no valor de R$ 5.000,00. Sobre este item, aliás, estranha-se o fato de que esta rubrica não tenha definido quem estaria a cargo desta tarefa, devido a sua importância dentro do projeto. A justificativa desta glosa é que, entre outras funções, já está prevista uma verba para pesquisa, juntamente com outras atividades, no item 1.2 deste projeto, também no valor de R$ 5.000,00. Além disso, o projeto prevê o custo de mais de R$ 20.000,00 para a produção audiovisual. Levando-se em consideração que o projeto em tela teve origem em pesquisas anteriores da pianista especificamente sobre Chiquinha Gonzaga, o que culminou inclusive com o lançamento de um CD há cerca de 3 anos, percebe-se que a verba solicitada no conjunto das rubricas 1.2 e 1.3, no valor de mais de R$ 25.000,00, é bastante razoável para também se proceder à pesquisa de imagens.
Quanto à formatação do projeto, houve algumas lacunas e inconsistências, que foram respondidas através de diligência. Por exemplo, em algumas partes do projeto era referida uma montagem do espetáculo, enquanto que, em outras partes, o texto se referia a uma remontagem. A resposta obtida foi de que se trata de uma montagem, sendo que houve apenas apresentações anteriores que deram origem à proposta de um espetáculo. Perguntou-se, também em diligência, o público previsto para cada uma das apresentações e sobre este tema, vê-se a necessidade de aprofundar uma reflexão sobre a oportunidade do projeto. Nas cidades de Novo Hamburgo, Pelotas e Bagé, a capacidade máxima de público para os locais escolhidos pelo proponente para realização da tournée gera em torno de 120 pessoas e para a cidade de Montenegro, somente de 110 pessoas. Quer dizer, nas quatro cidades juntas, que representam 50% dos locais das apresentações, foram escolhidos locais para um público pequeno e seleto. Enfatiza-se a palavra escolhidos porque não foi pela ausência de equipamentos culturais de maior e melhor porte nas cidades elencadas. Por exemplo, Novo Hamburgo possui o lindo e espaçoso Teatro Feevale; Pelotas, o tradicional Guarany e o todo reformado Sete de Abril, primeiro teatro a ser construído em nosso estado e, ao que parece, o teatro mais antigo no Brasil ainda em funcionamento; já Erechim conta com o belo e reformado teatro do Centro Cultural 25 de Julho. Talvez a única exceção fique para o Teatro Roberto Atayde Cordona, em Montenegro, que há muito tempo está precisando de uma reforma. Essa escolha de locais com pequena capacidade de público para sediar metade dos espetáculos na tournée afeta diretamente a oportunidade da proposta, uma vez que o custo individual de cada pessoa na plateia aumenta consideravelmente. É claro que a locação desses espaços implicaria um custo total maior no projeto, mas reduziria o valor por espectador e, o que é mais importante, beneficiaria uma parte bem mais significativa da população de cada cidade. Obviamente, em função do teto estabelecido para os projetos nos moldes atuais do sistema LIC, talvez não fosse possível percorrer as oito cidades, diminuindo assim o cachê de todos os envolvidos. Contudo, não se pode planejar um projeto que pretenda pleitear recursos públicos sobrepondo a dimensão econômica tão acima da cidadã, como parece ser o caso da proposta em tela.
Entretanto, não é somente por este motivo que a proposta parece pouco oportuna. Este projeto, da maneira como está posto, fez esta conselheira ponderar sobre algo que há muito tempo precisa ser refletido sobre a utilização de recursos públicos para certas propostas culturais. Primeiramente, há de se dizer que não é porque um projeto propõe entrada franca que ele se torna automaticamente democrático, da mesma forma que a cobrança de ingressos, em si, não destitui o caráter democrático de uma proposta. Faz-se necessário examinar a questão à luz das razões principais para que o nosso país ainda precise de leis de incentivo à cultura. Refletindo sobre o assunto, quer parecer que, no que diz respeito ao acesso a bens culturais, poderíamos representar a nossa população numa pirâmide onde se percebem, pelo menos, quatro grupos bem distintos. O grupo localizado no topo da pirâmide seria o que têm pleno acesso à cultura e não necessitaria das leis de incentivo. Logo abaixo, estaria um grupo que pode pagar por bens culturais, dependendo do valor do ingresso. Para esse grupo, portanto, o subsídio parcial do valor do ingresso já seria o suficiente. Descendo a pirâmide, vê-se um terceiro grupo, que parece realmente precisar da total ou quase total gratuidade. Para finalizar, há um quarto grupo, para o qual somente a gratuidade de ingresso muitas vezes não basta, pois existem outros fatores, além do financeiro, que mantêm essas pessoas apartadas da maioria da produção cultural, especialmente dos teatros, conservatórios, ou salas de espetáculo. Tomando por base esta imagem oferecida, questiona então esta conselheira: qual será o público-alvo da proposta em tela? Quer dizer, no dia e na hora das apresentações, a que grupos pertencerá o público presente nestes concertos, especialmente naquelas 4 salas destinadas a pouco mais de 100 pessoas? A experiência desta conselheira que há tantos anos frequenta teatros, tanto na plateia quanto no palco, diz que a ampla maioria dos assentos estarão tomados por pessoas que não necessitam da total gratuidade desses ingressos. Mesmo num teatro com maior capacidade, como o Theatro São Pedro, por exemplo, quantas das pessoas para as quais as leis de incentivo foram pensadas e criadas, de fato, assistirão a este lindo concerto? Pouquíssimas é o que a vivência desta conselheira pode, sem temor de qualquer equívoco, prever.
E por que isso acontece? A meu ver, porque não temos a coragem de dizer, com todas as letras, que nossos teatros seguem sendo recintos elitistas e que a imensa maioria da população não nutre por essas edificações qualquer sentimento de pertencimento. Não podemos mais fechar os olhos para o fato de que as leis de incentivo à cultura, sozinhas, não conseguirão mudar esta realidade. Não podemos mais seguir fingindo que acesso se resume ao valor da entrada e que a gratuidade no valor do ingresso automaticamente coloca dentro dos teatros aquela população para a qual as leis de incentivo foram pensadas e criadas e que projetos, nos moldes deste que aqui se apresenta, beneficiam quase que inteiramente aquela parcela da pirâmide que pode pagar pelo menos em parte seu ingresso. Após analisar e participar de discussões de tantos projetos culturais, em diversas instâncias, temo que estejamos criando uma sociedade cultural dividida em castas, ainda que de forma velada, onde somente os mais privilegiados disfrutam dos teatros, enquanto os menos favorecidos deverão se contentar somente com os parques, as praças e os ginásios. Se é certo que o artista tem que ir onde o povo está, também é correto que este povo têm direito de disfrutar da experiência de estar num teatro, que vai além, muito além da apreciação do espetáculo que lá estiver ocorrendo. Assistir a um espetáculo num teatro é também a sensação de poder se intrigar por uma arquitetura incomum, de sentir a maciez do espesso veludo sob os nossos pés conduzindo à sala principal, de admirar e apalpar o tecido que cobre os assentos, de experimentar assistir a uma obra num camarote pela primeira vez, de poder, talvez, se encantar com um lustre que, em si, é uma obra de arte, e de ouvir o coração disparar quando escuta a sequência dos três sinais que indicam que a cortina vai se abrir... isso tudo e muito mais não há como experenciar nas praças, nos parques e nos ginásios. Se algo não for feito, gerações inteiras de cidadãos morrerão sem colocarem uma única vez seus pés dentro deste “lugar de onde se vê”. Cabe, portanto, a instâncias deliberativas na definição das políticas públicas, como este conselho de Estado, agirem no sentido de realmente democratizar nossos teatros e salas de espetáculo a fim de que eles não sigam sendo lugares de onde, infelizmente, só alguns vêem. Sendo assim, a recomendação deste projeto está condicionada ao cumprimento das seguintes medidas:
Além disso, uma vez que a preocupação com a boa acústica dos locais, bem com a acessibilidade, já foi explicitada na metodologia do projeto, recomenda-se ao proponente também a verificação de que cada local conte com o PPCI.
3. Em conclusão, o projeto “Abram Alas Para Chiquinha – 1ª Edição” é recomendado para a avaliação coletiva, em razão de seu mérito cultural – relevância e oportunidade - podendo vir a receber incentivos até o valor de R$ 188.220,00 (cento e oitenta e oito mil, duzentos e vinte reais) do Sistema Estadual Unificado de Apoio e Fomento às Atividades Culturais – Pró-Cultura RS.
Porto Alegre, 17 de setembro de 2017.
Marlise Nedel Machado Conselheira Relatora
Informe:
O prazo para recurso somente começará a fluir após a publicação no Diário Oficial.
O Presidente, nos termos do Regimento Interno, somente votará em caso de empate.
A liberação dos recursos solicitados em incentivos fiscais está condicionada à comprovação junto ao gestor do sistema do rígido cumprimento das normas de prevenção a incêndios no(s) local(is) em que o evento for realizado.
Sessão das 13h30min do dia 18 de setembro de 2017.
Presentes: 19 Conselheiros.
Acompanharam o Relator os Conselheiros: Ivo Benfatto, Paula Simon Ribeiro, Ruben Francisco Oliveira, José Mariano Bersch, Élvio Pereira Vargas, Antônio Carlos Côrtes, Erika Hanssen Madaleno, Paulo Cesar Campos de Campos, Dael Luis Prestes Rodrigues, Gilberto Herschdorfer, Maria Silveira Marques, Luiz Carlos Sadowski da Silva, Luciano Fernandes, Dalila Adriana da Costa Lopes e Walter Galvani.
Abstenções: André Venzon.
Impedimentos: Claudio Trarbach.
Em razão do Of. Nº 182/2015 da SEDAC, os projetos recomendados por este Conselho foram submetidos à Avaliação Coletiva da Sessão Plenária Ordinária do dia 28/09/2017 e considerados prioritários.
Marco Aurélio Alves
Conselheiro Presidente do CEC/RS
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